Depois da chamada pesca maravilhosa aumentou grandemente o prestígio de Jesus - Vida de Jesus Ditada por Ele Mesmo - Cap. VI

PDF por Nova Ordem de Jesus. 26/02/2016 - 43 min leitura
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Depois da chamada “pesca maravilhosa” aumentou grandemente o prestígio de Jesus, que escolheu em Cafarnaum seus primeiros apóstolos, Cefas, André, Tiago e João. Prática familiar de Jesus com seus discípulos.

Já vos dei, irmãos meus, uma idéia de meu encargo como Messias e de meu poder como filho de Deus.

Vós compreendereis agora minha missão, que não terminou, e meu caráter de filho de Deus, que distinguirá a todos os que se alimentarem da graça e se aproximarem à chama divina, a todos os que propagarem belas doutrinas e praticarem o eterno mandamento do amor, aos que desempenharem missões de espíritos inteligentes no meio de espíritos inferiores e turbulentos, aos que fizerem a luz no meio das trevas e fizerem crescer o grão entre o pó, aos que se tiverem emancipado da dependência odiosa das paixões para elevarem-se à atmosfera pura da espiritualidade.

O título de filho de Deus pertence aos espíritos de pacientes investigações e de abnegação pessoal. O título de filho de Deus pertence aos espíritos de penetrante ardor e de terna humanidade, de emanações benéficas e de forças fecundas, de tendências espontâneas para os sacrifícios pelo bem e de perseverante energia na prossecução dos trabalhos empreendidos.

Todos nós somos filhos do mesmo Pai. As esperanças da alma, os atrativos do espírito, os vícios da natureza carnal nos são comuns, e o poder divino nos chama para a perfeição com a suprema honra de nosso livre arbítrio. Ponhamos à prova nossos recursos, permaneçamos firmes na luta, e peçamos a Deus a proteção de seus melhores espíritos; mas não contemos com esta proteção enquanto não nos emendemos de nossos hábitos fatais, e mediante nossos esforços postos em evidência como um chamamento e como promessa de purificação.

Elevemos nossas preces com fé e simplicidade: obremos com humildade e justiça; destruamos os maus germes e volvamos a empreender a marcha por outras sendas; busquemos a lei de Deus no fundo de nossos corações, e elevemo-nos acima dos costumes de um mundo corrompido, pelos desvios que faz desta lei santa; dirijamos os olhares de nosso espírito no livro das manifestações gloriosas e gozemos do amor dos anjos, cumulando de amor aos que nos desconhecem.

Definamos a religião de maneira que não dê lugar a equívocos, e declaremos com energia que as guerras, os ódios, as vinganças e todas as horríveis carnificinas, quaisquer que sejam as vítimas, são, sem exceção, ímpias, sacrílegas e merecedoras do castigo do Criador.

Os grandes espíritos experimentaram desgostos ante as alegrias humanas em virtude das alegrias da graça. Mas estes espíritos também tiveram que dar seus primeiros passos porque ninguém pode eximir-se dos sacrifícios que solicitam a graça.

Inclinemo-nos uma vez mais perante a justiça de Deus e continuemos a narração interrompida no final de meu último capítulo.

***

Mediante o estudo da Natureza todos os homens podem chegar até à concepção do inteligente autor da mesma. Eis o que me conduzia a procurar os homens que se encontravam em contato com as maravilhas da Criação.

Eu me aproximava a Cefas e a André procurando convencê-los de meu poder moral e intelectual. Preparava meus meios de ação, instruindo a meus êmulos, e deduzia provas para minhas palavras nas obras de Deus e nas manifestações de sua munificência e de seu amor.

O acolhimento cheio de respeito de meus adeptos se havia transformado em um verdadeiro culto depois da pesca milagrosa, como chamavam à abundante pesca que já referi1 e os cérebros estavam prontos para exaltar-se quando ocorria alguma discussão a  respeito da natureza de meu poder.

A luz não se havia feito nestes corações ingênuos e entusiastas e, sem julgar-me senhor absoluto dos elementos, atribuíam-me a influência passageira dos profetas, cuja história fabulosa conheciam. Minhas instruções praticavam-se com a maior deferência para com minha pessoa e a natureza do impulso explicava a fraqueza dos espíritos. Mas eu, de acordo com a minha penosa missão, devia aproveitar-me desta fraqueza e purificar os instintos, sem comprometer o prestígio que tinha. Tinha que apoiar minhas demonstrações, já seja sobre a tradição, já seja sobre os recursos de meu próprio espírito e manter assim a crença nas predições, fazendo-me o apóstolo da nova verdade.

O temerário ardor de meus discursos e os hábitos simples de minha vida ofereciam um contraste que impressionava todos os corações e levava a convicção aos espíritos. Retirava-me muitas vezes no momento de maior entusiasmo e minha desaparição contribuía para estabelecer o sobrenatural de minhas formas oratórias, assim como a luz da nova doutrina que explicava. Convencido de minha missão e desiludido, sem tê-los experimentado, dos gozos mundanos; desmaterializado moralmente com o alimento de meus idealismos e doçuras de imaginação, adiantei rapidamente na espiritualização do pensamento e minha palavra estava impregnada dos ternos ecos da poesia celeste. Tinha ainda algumas ligações humanas e meu coração ficava às vezes indeciso entre a radiante esperança e a realidade da alegria presente; mas estas indecisões eram passageiras e, acionado por uma vontade invencível, adquiria novas forças depois de cada luta.

Os primeiros apóstolos de Jesus, irmãos meus, foram, depois de Cefas e André, Tiago e João, filhos de um pescador chamado Zebedeu.

Aqui devo dedicar uma página a Salomé, mãe dos novos discípulos.

Esta mulher heróica, porém simples no heroísmo, é conhecida tão-somente pela celebridade de seus filhos, e entretanto ela possuía mais grandeza de alma que seus dois filhos reunidos. Esposa carinhosa de um trabalhador, mãe admirável, mulher inteligente e de uma devoção elevada, Salomé foi, entre meus ouvintes, uma das mais assíduas e fervorosas. Eu não elevei Salomé, ela elevou-se sozinha, mediante a intuição de minha missão divina, e ambos nos encontrávamos caminhando unidos na força da fé para o calvário, eu para morrer, e ela para ver-me expirar em meio das torturas. Não é verdade que Salomé me haja pedido que colocasse a seus dois filhos um de cada lado meu na mansão de meu Pai. Se Salomé tivesse formulado semelhante pedido, eu não teria que apresentá-la aqui na forma que o faço.

Os dois irmãos estavam cheios de vivacidade e de ardor. Eu lhes havia posto as alcunhas de relâmpago e de raio e aproveitava com êxito as suas qualidades. Mas, ai! Quantas amarguras depois do prazer! Quantos arrependimentos resultaram de minhas fraquezas! Tiago, o mais velho, não era mais que o modelo de João, quer dizer que os mesmos sentimentos, as mesmas faculdades, os mesmos gostos, os mesmos hábitos se manifestavam nos dois; porém João empregava mais ardor na discussão, mais extravagância em seu entusiasmo, mais paixão na amizade e, também, mais vaidade no apego à minha pessoa. Eu não me preocupava em combater as tendências de João para a exageração, e seu irmão, menos exagerado, me inspirava temores que jamais se realizaram. Fatal cegueira! João era a estrela de meu repouso como Cefas era o instrumento de minha vontade, o braço da ação, e entre estes dois homens estabelecia a mesma diferença que estabeleço hoje. Mas nas discussões que se promoviam entre todos eu costumava inclinar-me de preferência para o lado de João. Não me apercebia que seus caprichos de preferido, que suas exaltações de ânimo semeavam a desordem no presente e preparavam as sombras do porvir!

Irmãos meus, este discípulo, cujas ternuras constituíam minha felicidade, foi realmente o mais querido; porém neste momento eu lhe retiro diante da posteridade o prestígio de discípulo fiel a seu mandato, porque todo o desempenhou com o inverossímil, referindo os fatos, não tal como eles haviam tido lugar senão como ele desejava que houvessem sucedido.

Aos quatro discípulos familiares de Jesus se agregaram outros quatro, cujos nomes são: Mateus, o aduaneiro; Tomé, o mentor de meus apóstolos pela inteligência dos assuntos externos; Lebeu, o mercador, e Judas, célebre por sua traição.

Na criação de minha pequena brigada havia estabelecido que seus componentes deviam ser entre eles irmãos e que o último chegado devia ter as mesmas prerrogativas que o mais antigo.

Uma noite em que, depois de cear, me achava rodeado de todos meus irmãos, o contentamento deles se manifestava com gracejos picarescos e acertados ditos, quando a alguém ocorreu chamar-me Rabi, que significa mestre e pai, nome mais expressivo que o de senhor.

Para participar do bom humor de meus irmãos, me dirigi a todos e a cada um deles, pesquisando os signos de seu porvir no caráter de cada um, que eu havia estudado. Das cabeças ardentes de Tiago e de seu irmão, da penetração de Mateus, da capacidade administrativa de Tomé, a natural bondade de Lebeu, deduzi horóscopos confirmados mais tarde pelos fatos. Acalmei também os ciúmes de Judas, favorecendo-o mais que aos outros.

A André, dei-lhe ânimo, dizendo-lhe

“Meu querido André, abraça-te a teu irmão e apóia sobre ele tuas débeis mãos. Os passos de Cefas te conduzirão a trabalhos aos que tu só não conseguirás levar a termo; sua força cobrirá tua fraqueza. Livra-te da languidez que debilita tua alma; a fé e a resolução não dependem da fadiga dos órgãos e do pesadume na execução. Honremo-nos imitando nossos laços fraternais e nossa confiança no porvir. Dos cuidados que demanda a grandeza futura de nossa empresa não te preocupes. Descansa no Mestre e, depois do Mestre, sobre teu irmão, que é a pedra fundamental de nosso edifício”.

Cefas levantou-se radiante e disse:

“Mestre, abençoa a pedra fundamental e jamais virá abaixo o edifício”.

Irmãos meus, jamais saiu de meus lábios o mesquinho jogo de palavras que se me atribuiu a este respeito. A origem do nome de Pedro foi devida simplesmente à facilidade de comparação, que me proporcionou esse momento de confidencial abandono entre homens cujo valor eu havia aquilatado.

O nome de Cefas foi substituído imediatamente pelo de Pedro. Assim o designaremos daqui por diante, como Pedro, o apóstolo de Jesus, fundador dessa religião, materialmente pobre por seus membros, resplandecente de riquezas por suas aspirações, doce e caritativa, forte e majestosa, terna e paciente para todos, cultivada de todos os deveres, poderosa apesar dos assaltos sofridos, eterna pelos exemplos de virtude, que deviam levantá-la até Deus e conquistar o mundo.

***

Meus discípulos, em número de oito, acompanharam-me na minha visita a João, que descia do deserto para presidir as purificações no Jordão. A purificação, como temos dito, praticava-se mediante a imersão completa ou parcial, e minha intenção era a de submeter-me ao uso humilhando-me perante o apóstolo para minha purificação parcial, que em seguida eu haveria de praticar com meus discípulos.

João reconheceu-me logo e me fez caminhar a seu lado, dando-me vivas manifestações de veneração.

A multidão, que observou estes testemunhos, me confundiu sem mais no mesmo respeito que tributava ao Solitário.

A função da purificação foi precedida de sermões e jejuns, o que convém recordar aqui para fazer compreender a meus leitores que a purificação era o que mais tarde se chamou o sacramento da penitência, e não o batismo, que não tinha razão de ser nesta circunstância.

Todas as populações da Judéia parecia que se haviam posto de acordo para concorrer à purificação nesse ano, que foi o último de João. A multidão era compacta, pressurosa e delirante e a animação tomava o lugar do silêncio ordenado. Qual era, pois, o motivo dessa emoção, dessa tendência para o sentimento religioso, desses desvios do pensamento estranhos ao princípio da fé?

A pregação de João vos explicará.

Depois de um exórdio em que os atributos de Deus haviam sido desenvolvidos com uma potência de palavra e um entusiasmo do coração tais, que ninguém, além dele, era capaz de manifestar, o orador, baixando das alturas da espiritualidade para as imperfeições humanas, humilhou seu próprio gênio com injuriosas alegações e ameaças proféticas.

A impureza dos vínculos, o luxo das festas da Corte, a desmoralização dos governantes, a pesada opressão das leis arbitrárias e cruéis foram exibidas em uma forma tal como que para lançar os espíritos para o caminho da revolta. João tinha seguido uma vez mais o caminho fatal que conduz a virtude ao erro. João havia contemplado as torturas do povo e introduzido o fogo de sua alma no fogo que se alimentava escondido na alma do povo. João havia transgredido a ordem que estava prestes a romper-se. João seria encarcerado, julgado, condenado à morte e decapitado no decorrer do ano destes sucessos; dois antes da crucificação de Jesus.

Minhas recordações levam-me para a purificação dos hebreus no Jordão. Vejo barracas levantadas por todas as partes para albergar os homens durante a noite e servir-lhes de abrigo durante o dia. O poder humano curva-se perante o poder divino e os pecadores vêm implorar o arrependimento, a paz e o esquecimento. A palavra de João entusiasma a multidão e, se eu me entristeço por suas comparações inoportunas, elevo-me em troca na sublimidade de seus ímpetos e identifico-me com seu delirante entusiasmo para a magnificência divina. Os homens que afluíram ali para a purificação das chagas de suas almas purificaram também o corpo com muitas imersões saudáveis nesta estação ardente. Durante a purificação dos homens, as mulheres permanecem nas barracas. Mais tarde, depois de alguns dias, elas também cumprirão com o preceito da lei, para regressarem em seguida todos satisfeitos para seus lares, se todos souberem tirar proveitosas luzes espirituais. As exterioridades da penitência e as resoluções manifestadas nada valem. É necessário a penitência no coração e o cumprimento das promessas.

Irmãos meus, a cabeça de Jesus inclinada e protegida sob o signo da purificação, a cabeça de Jesus que recebeu a ablução das mãos de João, ficou humilhada com a recordação de suas faltas passadas, porém levantou-se animosa para contemplar o porvir que era necessário merecer.

Os preparativos de Jesus para receber a água das mãos de João foram-lhe inspirados pela necessidade de demonstrar-se como discípulo de um homem cuja santidade era universalmente reconhecida, e sua iniciação na penitência devia salvá-lo da censura de haver-se colocado acima de um costume tomado da antiga lei e apresentado pelo Solitário sob uma nova forma. A penitência desse tempo era uma manifestação pública que significava, como conseqüência, a reparação das culpas cometidas e o esquecimento das ofensas. A purificação desenvolvia os bons sentimentos e restabelecia a concórdia nas famílias; purificação queria dizer limpeza e alívio das fadigas da alma. A lavagem do corpo e a explicação da função que rodeava o ato constituíam o símbolo da fé. A penitência dos judeus, como a dos cristãos mais tarde, exigia disposições humanas, cujo fruto devia ser a purificação do coração. Mas — ai! — No ano seguinte deviam tomar-se as mesmas disposições para o cumprimento dos mesmos deveres e a fraqueza de espírito teria que encontrar-se em frente das mesmas demonstrações banais.

Irmãos meus, meus queridos irmãos, detenhamo-nos aqui. Examinemos a penitência da alma e expliquemos nosso pensamento sobre este ponto.

A penitência quer a expiação e a tendência dos homens para o orgulho impede a expiação. A penitência exige a resolução e a resolução nunca é sincera no cumprimento da penitência. A penitência favorece a alma quando a alma vê o perigo e o afasta. O adiantamento é o resultado da verdadeira penitência. A penitência converte-se tão-somente em uma fórmula religiosa ridícula quando não converte os humildes em fervorosos e fiéis servidores da causa santa de Deus. O humilde não sente já a necessidade do fausto das riquezas e ele emprega essas riquezas em facilitar a instrução e no bem-estar material das pobres crianças da grande família humana, e desenvolve no coração de seu filho o sentimento da fraternidade. O fervoroso pede a Deus sua lei. Deus lhe responde e ele proclama a lei de Deus para tornar melhores os homens. O carinhoso suporta com resignação a miséria, as privações, a perda dos seus; olha com desprezo o luxo que o esmaga e permanece tranqüilo diante da morte que lhe dá a liberdade.

“Irmãos meus, dizia Jesus a seus discípulos, caminhai pela estrada humana com a vista fixa na pátria da alma. Permanecei pobres e sede pacientes na prova. Vivei entre os homens para consolá-los e reconciliá-los uns com os outros.

“Acalmai o crepitar das paixões com palavras de misericórdia. Descobri as chagas para curá-las e demonstrai vossa força com os impulsos de vossos corações para levar alívio a todos os sofrimentos. Conquistai o mundo com o amor. Permanecei unidos na graça e fortes sob sua influência; defendei vosso espírito contra os assaltos do pecado; mas, se o pecado invadir vosso espírito, arrojai-vos entre os braços de vosso Pai e ele vos perdoará.

“O espírito eleva-se por meio da penitência.

“Dizei isto a todos.

“Solicitai os dons do Senhor com as mãos puras de todos os bens da Terra. Deponde na porta do templo as honras que vos tributem e esquecei-as ao sair.

“Depositai as oferendas que vos façam no tesouro dos pobres e sacudi o pó de vosso calçado para não levar partícula alguma para vossa casa.

“Deponde aos pés de vosso Pai celeste as fraquezas e os rancores de vossos espíritos e dizei: Deus meu, eu quero elevar-me acima dos desejos da Terra para não desejar senão a ti; e acima das injustiças dos homens para fazer resplandecer a seus olhos a força que de ti me vem.

“Fazei praticar as virtudes que eu vos ensino, praticando-as vós mesmos, e regozijai vossos espíritos participando das alegrias de minha mansão divina.

“Solicitai meus colóquios e honrai-me como se me encontrasse ainda no meio de vós.”

Depois da morte de Jesus, seus apóstolos foram desmaterializados moralmente. Conversavam com o preferido e pediam a Deus os dons da pregação para conquistar o mundo, como Jesus lhes havia dito. Mudavam de residência e se separavam uns dos outros para desviar as perseguições. À minha natureza, à minha presença, eles atribuíam o êxito de sua missão. Esta grande idéia enchia de brios sua fé e a sublimava por sua valentia e dom de persuasão. Viam-se estes homens, pouco eruditos e simples de espírito, valerem-se de nossas conversações de outros tempos para entabular uma conversação espiritual e animada a respeito da elevada filosofia da alma. Eles honravam meu lugar vazio. Evocavam meu espírito, que gozava da felicidade deles. O terror de meus apóstolos durante minha paixão não havia deixado lugar a que se suspeitasse essa força e essa tranqüilidade que demonstravam depois de minha morte. De que provinha isto senão da ressurreição do espírito? E por que os sucessores de meus apóstolos foram degenerando cada vez mais? Porque caminharam com o orgulho de quem dispõe de bens; porque subiram, com a cabeça que só devia adornar-se para o serviço de Deus, os degraus do poderio humano; porque imaginaram dogmas absurdos e deram em terra com minha doutrina com o exemplo de seus vícios, que ela condena; porque desmentiram minha moral de amor com o ódio e a vingança: porque favoreceram as orgias dos reis e os assassinatos fratricidas; porque fomentaram a discórdia entre os povos e alimentaram o fogo destruidor.

Irmãos meus, a penitência de todos trará a paz sobre a Terra.

***

Mulher e mãe, segundo a natureza humana, Maria, mãe de Jesus homem e Espírito da Terra, chegou por esse tempo a Cafarnaum e nós a encontramos no seu regresso da cerimônia do Jordão. Maria empregou todos os recursos de sua ternura e todos os raciocínios da autoridade materna para persuadir-me da loucura que fazia em cerrar meu coração às alegrias da família para acariciar um propósito quimérico, posto que era tão formoso, acrescentava minha mãe. Maria chorou pelos perigos que eu afrontava. Vendo suas lágrimas, eu sentia uma profunda dor, um deslumbramento, alguma coisa que me atraía para as alegrias da adolescência, mas subitamente fugi do prestígio do amor materno, pronunciando estas cruéis palavras:

“Minha mãe, roga por teu filho, já que se distancia neste momento do dever traçado pela natureza humana.

“Mas nota bem a forma de minha repulsa: Não tenho mais nem mãe, nem irmãos, nem irmãs, nem parentes, e a potente voz de Deus me chama para o martírio.

“A mulher deve retirar-se e a mãe consolar-se para deixar ao homem e ao filho a plenitude e a liberdade de seus atos.

“Vai-te, pois, minha mãe, e fazei a Deus o sacrifício de teu filho, como eu lhe faço o de minha vida”.3

Em meu ardor pelo serviço de Deus, esquecia a virtude do espírito encarcerado na matéria e jamais me foi tão penosa a contradição assim resultante entre a fraqueza corporal e a atração do fardo divino. Sentia-me dominado e perplexo entre o dever filial e minhas elevadas esperanças, vendo-se assim turbada a paz da consciência do missionário ante os desmentidos que isto poderia significar para a realidade de sua temerária missão.

Baixava meu espírito das festas da celeste habitação para o árido caminho das harmonias terrestres e sofria pelo abandono de uns deveres para o cumprimento de outros.

Uma vez que se foi minha mãe, procurei recobrar essa calma e também essa alegria que me eram habituais; porém meus esforços só conseguiram tornar mais dolorosa minha incerteza. Decidi então estabelecer algum laço entre minha felicidade corporal e minhas aspirações espirituais, entre minha dependência humana e minha elevação de pensamento para o único bem do porvir, entre minha mãe da Terra e meu Pai celeste. Quero dizer que renunciei repentinamente ao meu isolamento a respeito dos meus, e acedi ao desejo de minha mãe de receber um de meus irmãos como apóstolo, e o irmão de minha mãe como administrador de meus interesses pecuniários, em meio de minha vida de pobreza nômada e de caprichosas mudanças.

Fiz-me acompanhar de dois de meus apóstolos. João, filho de Zebedeu, designado como o preferido, e Mateus, o aduaneiro, e depois de haver encarregado a Pedro do cuidado de minha pequena brigada, aumentada de três membros, me dirigi para Nazareth. Minha mãe cumulou-me de provas de amor e de testemunhos de perdão — Pobre mãe! — O rocio de tua bênção caiu em meu coração como o fogo devorador do remorso e, pela vontade de Deus, sofria tormentos inauditos recordando-me o anterior abandono e preparando meu sofrimento futuro.

Minha doce fadiga, no meio das privações, das humilhações, dos trabalhos, não seria de natureza divina, minha mãe, se nós houvéssemos dividido juntos as mesmas privações, as mesmas humilhações, os mesmos trabalhos; se teu martírio não tivesse sido formado por todas as torturas da paixão; se teu filho houvesse misturado a ternura dos braços maternos à força deslumbrante dos transportes divinos.

Sim, minha mãe, a abundância da graça e a abundância dos desejos de minha alma me afastavam de ti, mas a fraqueza do homem me devolvia ao teu amor e o destino de minha missão se viu freqüentemente comprometido por esta minha fraqueza.

Sim, minha mãe, a majestosa filiação que me cobiçava, humilhava meus laços terrenos, porém o calor de meu coração te chamava quando a frieza de minhas palavras te afastava.

Sim, minha mãe, eu te amava... mas tinha que apoiar-me na rigorosa defesa de meus sentimentos em frente da calorosa expressão dos teus.

Sim, minha mãe, as lágrimas inundavam meu coração enquanto que minhas aparências demonstravam tranqüilidade e quando formas abstratas escondiam as pungentes emoções de minha alma. Mas isto era necessário. Meu amor fraternal devia estabelecer-se sobre as ruínas das demais formas de amor, minha filiação divina tinha que esmagar minha filiação terrestre; minha missão de espírito tinha que matar meus gozos humanos e a alegria espiritual de minha alma devia preparar a pureza de meu ser!

Maria acreditava na volta do filho à casa paterna, porém sabia que este regresso só anunciaria o remorso pelas faltas cometidas em nossa última conversação e havia recebido forças de Deus para estar preparada para uma separação que lhe parecia dever ser definitiva.

Quando ficou viúva, Maria tinha contado com os filhos de seu marido para encaminhar aos seus, isto é, para colocá-los honrosamente nas fileiras de uma classe laboriosa. Minhas duas irmãs se haviam casado há pouco tempo e dos quatro filhos de Maria, unicamente o mais jovem, chamado Tiago, tinha permanecido inativo, chegando por isso minha mãe a pensar em confiar-mo.

Desde o momento que a firmeza de minha vocação, dizia minha mãe, me havia impedido até esse momento de ajudá-la, era necessário, pelo menos agora, que tomasse a meu irmão mais moço sob minha proteção.

Examinei o jovem, que se me apresentava como meu futuro discípulo, e fiz um rápido exame de seus defeitos e aptidões. Tiago tinha as aparências de um homem, porém não era mais que um rapaz. Alto e robusto, de olhar indeciso e de gestos bruscos, manifestava seus pensamentos sem elaborá-los. Desprovido de instrução, sua memória retinha, tão-só mediocremente, as impressões de sua alma. Estava embebido de preconceitos a respeito da personalidade de Deus, porém era de coração terno, desejoso de progredir e enfatuado pela honra de seguir-me. Era-me necessário tornar a fundir a cera que revestia este espírito. Minha mãe se alegrava desta união que ela vinha assim a formar e me enaltecia aos olhos de meu irmão, designando-me com os qualificativos de poderoso e de inspirado nos caminhos do Senhor.

Meu tio, o único irmão de minha mãe (sublinho isto como um desmentido à versão que atribui a Maria uma irmã com o mesmo nome de Maria), meu tio, digo, era o mais convencido entre os membros da família, a respeito de minha missão; queria acompanhar-me até à morte, dizia, e cumpriu sua palavra.

Heróica grandeza! Fervoroso fanatismo! — Devoção de natureza superior! vos haveis manifestado neste homem como revelação espontânea do sentimento e expressão singela de um verdadeiro servo de Deus.

Oh, meu Deus, tu me reservaste esta alegria e eu aceitei, feliz, o oferecimento desta dedicação, deste fanatismo, desta grandeza!

Meu irmão Tiago tinha vinte anos. Meu tio viúvo e pai de duas filhas já casadas, era dois anos mais jovem que minha mãe.

Tiago, meu tio, acompanhou-me até o Calvário; Tiago meu irmão fugiu louco de dor. Maria de Magdala e Maria minha mãe foram as duas únicas mulheres que contemplaram minha agonia sobre a cruz.

Cleofas era um filho de José, nascido do seu primeiro matrimônio com Débora, filha de Alfeu. Este particular é tão insignificante como o erro que lhe deu lugar e o deixaremos aí.

Tiago, meu tio, desejava participar do caráter sagrado da obra, reservando-se o humilde papel de encarregado das funções materiais e recusou o título de apóstolo, que o teria impedido, dizia ele, de manter convenientemente o equilíbrio de meus meios de subsistência.

De antemão minha mãe me havia deixado entrever este desejo, claramente manifestado depois por ele, e eu pude compreender desta conjuração dos irmãos o delicado sentimento de carinho, cheio de compaixão, que a ambos inspirava.

Passei alguns dias no seio da família e muitos habitantes de Nazareth se apressuraram em convidar-me para suas refeições. Cumularam-nos de distinções a mim e aos meus discípulos, com o fim de poderem examinar-nos mais de perto e apreciar, cada um segundo seus conhecimentos, o valor de nossas personalidades.

De minhas irmãs, uma vivia em Nazareth e a outra em uma pequena cidade chamada Canaã.

Fomos a Canaã; conta-se que fui atraído por umas bodas em cujas circunstâncias teria chamado a atenção sobre minha pessoa por meio de um milagre — Milagres. — Sempre milagres!

Oh, irmãos meus, quão doloroso é ter que ocupar-me de tal impiedade! — Como sofre meu sentimento de homem ao ter que desmentir as aberrações dos homens!

Em quase todas as particularidades de minha vida terrena se encontram semelhanças que surpreendem, com o que sucede agora em uma parte do mundo civilizado.

Minha presença no casamento de Canaã foi um simples efeito de minha deferência para com os desejos de minha mãe. Minha presença era efeito de minha própria vontade. Minha presença humana na humana família, foi apenas notada. Minha presença nesse pequeno recanto do universo bem poderia negar-se. Mas, que se precisava para arrastar os homens para o fanatismo? — Milagres. — Pois eles fizeram milagres.

Que se requer para que seja admitida minha identidade, agora? — Uma prova material, entendendo-se por prova material o aniquilamento de uma lei fundamental da organização física dos elementos.

Na natureza espiritual, nós não dispomos dos elementos da natureza terrestre e não podemos fazer milagres com o único objeto de entreter os homens; mas podemos dar-lhes forças para que creiam em nós. Atribui-se minha presença entre os homens a efeitos de minha natureza espiritual, sem ter em conta as impossibilidades materiais, e se pedem efeitos materiais à minha natureza de completa espiritualidade, sem ter em conta as leis divinas que governam esta natureza de espiritualidade.

Que espíritos que se encontrem no estado de espiritualidade transitória excitem a curiosidade e façam nascer a surpresa nas assembléias humanas, com demonstrações físicas, que a maior parte dessas assembléias fiquem convencidas da presença dos desencarnados, é cousa útil para levar claridade no meio da escuridão. Porém os espíritos de Deus não vão para a escuridão e não se apoderam jamais do espírito humano com jogos de prestidigitação. Descem de sua espiritualidade para honrar os espíritos encarnados desmaterializados já dos desejos. Eles fazem a luz nas consciências; eles emancipam a alma; desencadeiam as vontades; desenvolvem o sentido da verdade divina, conduzem para a alegria, para a felicidade e a paz eterna.

Irmãos meus, em minha vida carnal eu não podia ter forças divinas, que me haveriam elevado ao apogeu das honras humanas, e em minha vida de espírito não devia exercer um poder humano para tornar evidente minha essência espiritual. Adoremos o poder de Deus, porém não lhe peçamos jamais o que é contrário à ordem estabelecida. Adoremos a graça, porém não queiramos ver nela mais que um meio para chegar à elevação do espírito. Adoremos a sabedoria dos decretos divinos e pensemos discretamente com a idéia que Jesus não veio à Terra e não volta agora para ela para deprimir o bom senso humano e comprometer a justiça de seu Pai. Deprimir o senso humano seria arrastá-lo para as crenças da antiga barbaria ou infância dos povos, comprometer a justiça de vosso Pai seria chamá-lo para comprovação de minha palavra de outras maneiras que pelos meios divinos e pela edificação de minha doutrina.

Permaneçamos em uma piedosa expectativa e não participemos do erro comum entre os espíritos humanos, pedindo novos milagres semelhantes aos milagres antigos e estúpidos como o das núpcias de Canaã.

No festim de ditas núpcias os homens se embriagaram tanto, que me arrependi de haver ido para o meio deles. Minha mãe disse-me: Mesmo que se convertessem as fontes de água em fontes de vinho, eles as esgotariam. Estas palavras, ouvidas por um dos presentes, andaram de boca em boca à volta da mesa.

Modos de moralidade duvidosa, propósitos de má lei, gracejos descabidos a meu respeito e de meus apóstolos deram fim a uma festa durante a qual haveria transformado seguramente o vinho em água, se me houvesse sido dada a possibilidade de fazer um milagre.

Saí de Canaã na manhã seguinte e de Nazareth poucos dias depois.

Cansado de manifestações populares, tinha pressa em voltar a entregar-me aos meus trabalhos, no meio de meus discípulos, sem deixar-me distrair por honras fanáticas e por sonhos ambiciosos; honras destinadas aos homens cuja vaidade queria lisonjear-se, sonhos manifestados nas intimidades do apóstolo preferido com o doce mestre, como João me chamava.

Irmãos meus, Mateus encontrou-se também, como João, nas núpcias de Canaã; porém somente João se apoderou deste fato para lançar a dúvida nos espíritos. Foi João quem me expôs à adoração dos homens com a narração de mentidos milagres. Foi João quem se deixou surpreender em flagrante delito de incapacidade, quer seja em seus discursos, quer seja por motivo do silêncio que guardava quando as circunstâncias lhe exigiam o dever de falar. João é o responsável pelas forçadas humilhações de Jesus em face dos desmentidos e dos juízos humanos. É a João a quem as novas gerações devem culpar pelos erros das gerações passadas, porque foi ele quem espalhou as palavras de fanatismo, foi ele quem rebaixou minha missão aos olhos dos contemporâneos e que as tornou impossível de reconhecer aos olhos da posteridade. Eu tinha por este discípulo a fraqueza que têm as mães pelo filho cuja constituição física exige mais cuidados que a dos outros e não me preocupava das vergonhas futuras que me preparavam suas loucas ambições, quando o fato das núpcias de Canaã veio abrir-me um vasto campo de reflexões funestas. Em minha pobre estada humana, irmãos meus, o caminho de minha missão foi sempre embaraçado pelos homens que me rodeavam, e minha deferência para os desejos dos demais tomou uma aparência de fraqueza. Mas agora é necessário divulgar a verdade sem restrições humanas, tal o espírito de Deus a vê e a compreende. Mas agora devem deixar-se as atenções de lado com respeito aos erros que têm ocasionado os tristes resultados que se apalpam. Mas agora convém semear com a palavra divina e desenvolver a maturescência dos frutos para aprovisionar com eles aos filhos da Terra.

Definirei a maneira de ser de João dizendo que era ela como a da generalidade dos homens, que desejam ver o maravilhoso encadeamento dos desígnios da Providência e são insaciáveis de graças e promessas, a ponto de atribuírem-se exclusivamente o mérito das graças e promessas espalhadas pela graça divina.

Concretizemos: João foi de boa-fé em seus desejos até que os sonhos de sua imaginação delirante o impeliram a dar vida às divagações de seu espírito, e me amou por todas as razões que fizeram dele o mais terno e entusiasta de meus discípulos.

***

Em nosso regresso a Cafarnaum, encontrei todos os meus discípulos reunidos na mais perfeita inteligência. A animação a que deu lugar meu regresso encheu-se de atrações para meu coação. João, humilhado a princípio pela recordação de sua falta, voltou a assumir suas prerrogativas habituais, que consistiam em colocar-se a meus pés, quando os outros me rodeavam, e a meu lado durante as refeições. Já hei dado a conhecer o suficiente sobre Tiago meu tio e Tiago meu irmão. Devo mencionar agora o nome de meus outros três discípulos. Eram: Deodoro ou Dídimo; Filipe ou Eleazar, mais conhecido pelo primeiro nome, e Judo, primo de Pedro. Com o fim de distinguir aos dois Judos se designou ao outro com o nome de Judas.

Durante o dia percorríamos a campina dos arredores e à  tarde voltávamos a Cafarnaum. O descanso e a acolhida fraternal nunca nos faltaram ali. Todos os pobres desejavam tocar as vestes e a capa daquele que dizia: “Felizes os que sofrem neste mundo, porque verão a Deus. Desgraçados daqueles que vivem aqui na abundância e na alegria, porque a justiça de Deus prepara-lhes privações e tristezas”.

***

Mas nenhum enfermo foi curado pela aplicação4 de minhas mãos sobre ele, nem jamais a autoridade de minha voz fez recuperar a vista aos cegos e o ouvido aos surdos, nem a morte jamais restituiu sua presa, pois eu o disse: “As leis de Deus são imutáveis”.

Concluo aqui este capítulo, irmãos meus.

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